Quebrei o pé e não me pergunte como. E de pé quebrado, sem o sabe-lo, fiz uma via sacra em busca de uma solução para a dor insuportável que foi minimizada pelos médicos que se pegam em sua ignorância: "Se não sei o que é, não é nada sério".
Comecei a sentir uma dorzinha chata no pé esquerdo numa segunda-feira, mais precisamente no dia 02 de julho. Não dei atenção, pois dores sem motivo são o que mais sinto, afinal, sou sedentária desde que nasci. Marido viajou na quarta-feira pra ficar a semana inteira fora, o que significa que minhas atividades rotineiras foram redobradas. Chegou a sexta-feira e não conseguia caminhar. O pé inchou e, no domingo, graças à pressão de uma amiga querida que se prontificou a ficar com os pimpolhos, fui ao hospital. Andei um tanto de onde consegui estacionar o carro até o pronto-socorro e ainda debaixo de chuva. Que dor miserável.
A médica disse que, se não teve trauma, não tinha o que se fazer além de passar Voltaren e ir na segunda-feira a um ortopedista. Ela mesma, sabendo como é difícil conseguir uma consulta, sugeriu ir de sopetão, sem marcar, caso contrário, conseguiria uma consulta para daqui uns dois meses. Eu perguntei se o pé não poderia ter alguma fratura. Ela, então, me mandou pra Radiologia e, ao analisar o raio-X, disse que não tinha nada quebrado. Voltei para o carro com o pé enfaixado com compressa de Voltaren.
Na segunda-feira, pra não ir até o médico com duas crianças a tiracolo e ouvir que eu tinha que marcar consulta antes de aparecer no consultório, liguei e consegui uma consulta pra dois dias depois de chorar as pitangas. Mas eu não fui em um ortopedista, porque nunca fui paciente de um. Eu fui ao médico especialista em reabilitação que tratou um problema que tive no pescoço. Ele olhou, viu que o pé estava inchado e disse que eu provavelmente tinha osteoporose, artrose ou tendinite e me mandou fazer uma MRT - Magnetresonanztomographie = Ressonância Magnética (o outro nome desse exame é Kernspintomographie. Eu acho esse nome engraçado porque quando eu cheguei aqui eu não sabia dividir as palavras direito e lia Kerns- PINTO- mographie. MRT é mais fácil.). Andei um outro tanto até o consultório indicado pra fazer a MRT, com minha outra amiga que, mesmo com uma bebezinha nos braços. se ofereceu pra me levar. Consulta mais próxima: 30 de julho = TRÊS SEMANAS DEPOIS. Eu disse que não tinha condições de esperar. Não teve jeito. Cheguei em casa, liguei para outras clínicas e todas as datas eram pra depois. Uma delas era somente clínica particular. O exame custaria 250 euros e poderia ser feito no dia seguinte. Disse que iria pensar. Liguei para o plano de saúde e perguntei se eles reembolsariam. Nâo. Mas eu poderia ligar para uma central de marcação de consultas e eles poderia conseguir um data mais próxima. Liguei e depois de um interrogatório, a atendente, muito simpática, me disse que me daria um retorno no dia seguinte por volta das 12 horas, mas não garantiria uma consulta em menos de 4 dias, pois de acordo com a experiência dela, a data que eu tinha já estava bem próxima para este tipo de exame.
O dia seguinte era uma quinta-feira, 12 de julho. Amanzor retornou da viagem por volta das 9h30 da manhã e disse que eu deveria fazer o exame particular e não esperar uma consulta pra daqui a 4 dias. Liguei para outros lugares pra ver se conseguia um exame mais barato. Até na clinica da universidade o exame ficaria por 600, eu disse 600 euros!!! Liguei correndo para a clinica particular e perguntei se ainda poderia fazer o exame naquele dia. Venha às 11horas. Fui. Fiz o exame, depois passei com o médico radiologista pra ele me dar o diagnóstico. Era um médico com mais de 70 anos, que falava meio enrolado. Eu até tentei entender mas aí, saquei a minha pergunta :
-" Sprechen Sie Englisch, bitte? Ich kann nicht alles verstehen" (O senhor fala inglês? Eu não consigo entender tudo.).
- Por que? Eu entendo perfeitamente o seu alemão!.
- Mas eu não entendo tudo o que o senhor fala e o assunto é importante.
- De onde você vem? - falando em inglês.
- Do Brasil.
- Que cidade?
- São Paulo.
- Ah, é a maior cidade do Brasil, não é?
- Sim
- E quantos habitantes?
- Uns 17 milhões - chutei.
- E com as cidades em volta?
- Uns 23.
- Você conhece o Barrichelo?
- Conheço, mas não pessoalmente. Afinal, são 17 milhões.
- E onde você aprendeu a falar inglês tão bem?
Gente, e o tempo passando e eu com fome e família me esperando no restaurante do outro lado da rua.
Finalmente, ele me mostrou as telas com as "fotos" do meu pé e disse que eu tinha uma fratura no osso do peito do pé, correspondente ao terceiro dedo, chamada Fratura de Marcha, típica de soldados. Peguei o relatório e o CD com o exame, fui comer e depois fui ao médico que me encaminhou pro exame.
Cheguei lá a recepcionista disse que ele não podia atender. Eu disse que eu tinha uma fratura no pé. OK, então. O médico viu o exame e me perguntou por que eu não fiz onde ele tinha me encaminhado. Eu disse que tinha conseguido uma consulta pra só dali a três semanas.
- Voce não quis esperar?
- Eu não pude esperar. A dor está insuportável, então resolvi procurar outra clinica.
- Você conversou pessoalmente com o Dr. Drewes?
- Sim, foi ele que deu o diagnóstico.
- Mas você teve que pagar pelo exame!
- Sim.
Aí, ele fez uma cara de que eu sou molenga.
- Ainda bem que eu fiz o exame pois eu tenho uma fratura.
Ai, ele fez uma cara de surpreso. Olhou o exame e disse:
- Ah, então é por isso que você não aguenta a dor.
Dããã.
-Mas não tem nada que eu possa fazer sem um relatório.
E o relatório na mesa dele.
-Tá aqui, ó.
-Ah, tá. Mas não há nada que eu possa fazer. Eu cuido só da reabilitação. Você tem que procurar um ortopedista, ou melhor, um cirurgião, porque provavelmente voce tera que operar.
- Que? - aí minhas pernas amoleceram.
- Eu só conheço o Dr. Eisenburger, aqui pertinho. Ainda bem que eu não te dei uma injeção ontem, senão teria sido pior.
Amanzor tinha voltado pra casa pra por o Ricardo pra dormir. Andei até o médico na esperança de conseguir uma consulta imediata. Já eram 15 horas. O médico atendia naquele dia das 15h as 16h. Cada horário maluco! Chorei com a recepcionista, mostrei o pé, disse que esperava o tanto que fosse necessário. OK. Esperei meia hora e fui atendida. Ele não tocou no meu pé, não achou necessário ver a MRT e perguntou se eu praticava muito esporte.
- KKKKK. Muito pelo contrário, doutor.
- Estranho, pois essa fratura é típica de quem faz esportes.
(Eu pensei, então, que eu poderia ter perdido a barriga sem fazer esportes em vez de ganhar uma fratura de esportista sem fazer esportes)
- Os Dres. X e Y disseram que é uma Marchfraktur.
- Não, não é.
Bom, ele é o cirurgião, então deve entender melhor do assunto. Ele decidiu que não era caso de cirurgia e que nem mesmo iria colocar gesso. Afinal, com duas crianças e nas férias, seria uma tortura. Receitou uma bota que demorou uma semana pra ficar pronta depois de um atendimento miserável pela loja de produtos ortopédicos: cada funcionário com quem eu falava tinha um procedimento diferente. Quando cheguei em casa, depois dessa caminhada toda, tinha uma mensagem na secretária eletrônica, deixada pela moça da central de consultas, dizendo que ela conseguiu um local pra fazer o exame, pelo convênio, no dia seguinte!!!! Mas tudo bem, paguei pra ficar com a consciência traquila.
Quando eu voltei ao médico no dia seguinte ao que peguei a bota, ele disse que a recuperação estava boa e que eu poderia andar com meu sapato normal mas com cautela e que em duas semanas eu estaria correndo. O pior foi que a minha amiga - a da bebezinha - foi me levar e ficou três horas me esperando ser atendida com a bebê a tiracolo e pra piorar, na saída do estacionamento, um degrau no chão comeu a lateral do carro dela. Além de pé quebrado, eu sou pé frio.
Duas semanas se passaram quando eu, mais alegrinha com o fato de já poder caminhar sem tanta dificuldade, de repente, ao abrir a porta do meu guardaroupa, dei com ela exatamente no dedo correspondente ao osso fraturado. A dor foi tão acachapante que caí de costas na cama. O pé inchou de novo e acho que vai mais uma semana pra melhorar.
Moral da (longa) estória:
Aqui também não é fácil ser atendido por médicos conveniados.
Pagando, você consegue consulta rapidinho.
É sempre bom buscar uma segunda (e até terceira) opinião.
Existem médicos que são alarmistas.
Existem, também, médicos que são simpáticos e otimistas.
A central de consultas realmente funciona. Pena que eu sou afobada.
Tem atendentes que são um porre, mas também tem as que dão um jeitinho.
Prestação de serviços, em lojas e consultórios, pode te dar uma bela dor de cabeça.
O que tá ruim pode ficar pior.
Além de quebrado e frio, meu pé é feio.
Arlete, quando comecei a ler o texto perguntei: Ué, ela voltou para o Brasil? Aqui é igualzinho. Só depois vi que você continua aí. E viva o liberalismo econômico que tudo transforma em mercadoria, até mesmo a saúde humana. Triste, muito triste... beijos e sucesso na recuperação.
ResponderExcluirPois é, querido, nem tudo são flores. Não é à toa que a Alemanha está facilitando a entrada de engenheiros, ITs e até médicos. O serviço é muitas vezes tão manco quanto eu esses dias, viu!
ExcluirCara, eu simpatizei MUITO com esse texto. Eu tb tive um lance no pé ano passado, e foi a mesma coisa. Cheguei chorando e mancando em 3 ortopedistas que me mandaram ir embora, ou me mandaram ir pro hospital, sendo que no hospital me mandariam para um ortopedista. ARGH. Acabei indo na minha Hausärzti e ela tb achou que era Matchfraktur mas nao me passarem MRT, só raio x mesmo que nao deu em nada. Acabei passando só pomadas e tomando um anti inflatmatorio, pois ninguem sabia direito o que era. o_O Eu tb sou sendentaria, entao os 2 medicos que fui (pois acabei conseguindo uma consulta para 1 semana depois no ortopedista) falaram que nao poderia ser fratura se eu nao faco esportes. Lendo tua historia, eu acho que era sim. Afinal, meu pé ficou roxo, e inchou e doia por mais de 1 mês.
ResponderExcluirMel, não apareceu nada nos Raios X que eu fiz, só na MRT. A fratura era interna e o inchaço vinha até a pele. Não entendo como os médicos não deram a atenção devida antes da MRT. Penso que no passado, muita gente sofreu por mal diagnóstico por falta da tecnologia. Mas pra isso, tem que se pagar pra ser rápido, infelizmente.
ExcluirRidiculo né? Eu acordei um belo dia com uma dor ridicula no pé, dai depois de uma semana o pé ficou rouxo como se eu tivesse levado uma baita batida, e dai comecou a inchar. E os medicos em modo "egal, das ist nichts"
ExcluirSorte a minha que meio que curou sozinho... :)
Poxa, que novela. E agora, como está seu pé?! Melhorou?!
ResponderExcluirBabi, tá melhor, mas ainda não dirijo.
ExcluirBjs
Caramba!!! eu achava que atendimento médico aqui era uma maravilha....Ave, desse jeito esta igual ao nosso Brasil...
ResponderExcluircoitada de você...
esta melhor?
beijossss
Mesmo no drama, você tem um jeito tão hilário de escrever!
ResponderExcluirMelhoras!
Por esses e outros casos (inclusive em minha própria família) é que acho que não dá pra confiar na medicina de hoje em dia. É tanta neurose em prevenir, prevenir, prevenir que quando chega o momento de curar ninguém mais sabe como é que se faz.
ResponderExcluirE quanto à eterna guerra entre público vs. convênio vs. particular... Sem comentários. E depois falam mal do SUS daqui.
Nossa Arlete assim vc me desanima, amanha vou ter que ligar no meu Hausartz para marcar uma consulta, estou com uma alergia na pele desde sexta e estou me cocando inteira,!!!!! Tomara que eu tenha sorte!!!!! Bis e melhoras para o seu pé!!!!
ResponderExcluir