sábado, 16 de novembro de 2013

Voltei!

Não só pro blog mas pro Brasil! Que viagem! Foi uma decisão até que fácil, já que, por questões profissionais, surgiu a necessidade oportunidade e porque, em uma viagem anterior ao Brasil para festejar o Natal e o aniversário do Rico, percebemos o quanto a presença da família é importante para as crianças. [Lara, sob um sol de uns 30 graus, na laje da casa da minha irmã, com os pés dentro de um balde d'água e uma costelinha na mão, solta: "Ai, mãe, isso é que é vida!". Depois dessa, a decisão estava tomada.]
Muita burocracia e 6 meses de preparação nos trouxeram de volta, não para o nosso apê em São Paulo, mas para Curitiba. Achamos que o choque de sair de Bonn direto pra SP seria tremendo. Então, optamos por tremer de frio.  Mas foi por pouco tempo.

Tão logo chegamos, começamos a procurar uma casa. Apesar de tanto ouvir sobre o quanto uma casa é perigosa, não queríamos morar em apartamento. Em menos de 15 dias, por um erro no caminho, encontramos nosso lar. Estamos super felizes e satisfeitos, pois nossa rua lembra cidade do interior e a relação com os vizinhos não poderia ser melhor. Por incrível que pareça, tem uns três descendentes de alemães na rua, que fica perto do Bosque Alemão, onde tem uma confeitaria alemã que vende bolos e Lebekuchen melhores que os alemães.

O blog continuará a se chamar "Tudo de Bonn", mas também terá um pouco de Curitiba. Será a partir de agora, para os mais chegados, "Tudo de Bonn direto de Curitiba. Abreviando: "Tudo de Cu", como diria a minha amiga Juliana, que é curitibana e que continua lááá em Bonn.

Coincidências

Além de várias coincidências como essa da Juliana, tem a da Fernanda. Seu marido, que havia aceito uma transferência para a Alemanha, me contatou pelo blog pra saber sobre a vida em Bonn. Um belo dia, ao passear com o cachorrinho deles na porta do prédio onde estavam morando, ele ouviu o Amanzor conversando em português com a Lara e o Rico, ao passar por ele, e perguntou se eram brasileiros e conversa vai, conversa vem, ele disse que conheceu uma pessoa que tinha um blog, que por acaso era eu. Eles acabaram vindo morar no mesmo bairro que a gente! E a Fernanda, por incrível que pareça, é de Curitiba e havia morado na mesma rua do Amanzor, em um prédio quase em frente. E o marido dela, no Baeta, meu bairro em SBCampo. Olha só.

Continuando com as coincidências, passamos um sábado inteiro visitando casas em bairros próximos à escola alemã onde a Lara estuda. Mesmo cansados, convenci o motorista, digo, marido, a ver uma casa que eu tinha pescado na internet. Como boa co-piloto, indiquei o caminho errado e, na curva da rua errada, vimos 4 sobradinhos novinhos, um já vendido. Ligamos para o número de telefone. Ninguém atendeu. Mais pra baixo tinha uma outra casa à venda, ligamos. Muito cara. Toca o telefone, não sabíamos quem era. O cara disse que nós tinhamos ligado pra ele. Nisso, pára um carro ao lado do nosso e, ainda com o telefone no ouvido, o senhor nos pergunta se é com ele que estávamos falando. Era o construtor do sobrado. Ele disse que poderia nos mostrar na hora.
Adoramos tudo e, dois dias depois, negócio fechado. Ouvimos uns blábláblás, que temos que tomar cuidado, porque foi tudo muito rápido, que podia ter trambique. Na verdade, rápidos fomos nós. Dois dias mais tarde, retornamos à casa pra pegar o alvará e as plantas. Nem tínhamos pago o sinal e o construtor já estava com o recibo pronto e nos entregou, sem que tivéssemos feito o depósito. O seu irmão e sócio também estava presente e, conversa vai, conversa vem, ele disse onde trabalhava e o Amanzor falou que o primo dele também tinha trabalhado lá. Quando deu o nome do primo, o cara não acreditou. É sócio e melhor amigo dele. Aí foi mamão com mel, ou mamão com açúcar ou sopa no mel. Nâo houve nenhuma pedra no caminho. Deixaram até a gente  descarregar o container direto no sobrado, sem nem termos terminado de pagar e, sem ter dado a última parcela, deixaram a gente mudar. Os irmãos construtores são pessoas super idôneas e mãos à obra. Pedimos o telefone do rapaz da calha pra colocar uma no muro do fundo, o construtor ligou na hora e, no dia seguinte, os três sobrados estavam com calhas nos muros e ele não deixou a gente pagar. Conseguem ver algum alemão fazendo isso?
 Algum tempo depois, fiquei mais de uma hora conversando com uma mãe de aluno da escola da Lara. Ela é artista plástica (atualmente com exposição na Bienal de Curitiba), a Tatiana Stropp, e conversa vai, conversa vem, descobri que ela mora em um sobrado construído pelo mesmo arquiteto que projetou o nosso. E que as casas construídas pelos irmãos são super bem feitas e bem planejadas. Mais um ponto pra eles.

A Lara tinha uma feira de Ciências na escola e os tópicos da classe eram automóveis e o ciclo da cana-de-acúcar. Combinamos com a professora e alguns outros alunos um passeio no Museu do Automóvel, no Parque Barigui, onde têm várias barracas de caldo de cana. Conversa vai, conversa vem, descobri que a professora é do bairro Bom Pastor, vizinho do Baeta. O pai dela adora o Baeta e trabalhou lá até se aposentar.

Dois dias depois, teve a feira de ciências  onde tive a oportunidade de conhecer as professoras, entre elas a de alemão. Conversa vai, conversa vem, ela me disse que achou coincidência a Lara ter morado em Bonn que é onde a irmã dela também mora. Ela disse que a irmã é jornalista e trabalha para Deutsche Welle. Aí, quem não acreditou fui eu, pois tenho muitas amigas que trabalham lá. E, por acaso, eu conhecia a irmã dela. Eita, mundão pequeno.

Medo dos Choques

Antes de mudarmos para Bonn, eu nunca havia morado em outro lugar além de SBCampo e SP. Não percebía que vivia em estresse constante em SP, além da ansiedade, depressão, síndrome do pânico, sinusite, dor de cabeça e dificuldade para dormir. Era normal ter trânsito pra ir e vir, barulho pra dormir, poluição constante, violência, preços altos, muitas pessoas mal-educadas,  frio dentro de casa. Quando chegamos em Bonn, debaixo de temperaturas negativas e neve, foi bom ver que  não passávamos frio dentro de casa.   Mas, além do frio e da neve, o choque foi grande mesmo assim devido à cultura, à língua, às pessoas. No entanto, não tinha trânsito, nem barulho, nem poluição, nem violência (como a conhecemos), nem preços altos (exceto prestação de serviços), nem shopping centers, nem mercados abertos aos domingos e as pessoas, ah, as pessoas. Gente mal-educada, que gosta de meter o bedelho na vida dos outros, que confunde estupidez com sinceridade,  tem em tudo quanto é lugar do muuundo, inclusive em país desenvolvido. Mas, com o tempo, a gente passa a ignorar esses tipos e se acostuma à cultura, à comida, ao dia-a-dia e passa até a gostar de certos comportamentos que, sem perceber, até os assimila. E quando tá engrenando, vem a mudança de novo.

Eu não posso dizer que não tive medo de retornar. O maior motivo do medo era a violência. As notícias que chegavam eram sempre as piores, tanto pela mídia quanto nos telefonemas com os parentes. E, tendo um olhar distante que só a vida em outro lugar nos dá, posso dizer que  não há povo que mais cospe no prato que come do que o brasileiro. E não há gente mais influenciável do que eu.  A sorte é que tinha uma amiga (aliás, ainda tenho e diga-se de passagem, minha melhor amiga por lá),  baiana foférrima e linda, mãe de primeiríssima grandeza, que me deu a maior força pra não ver o retorno pelos olhos negativos de gente que não consegue ter paixão pelo seu próprio país, como ela tem. E por ser esposa de alto comissário da polícia alemã, me fez ver que a violência, com maior ou menor crueldade ou frequência, existe em qualquer lugar, o que muda é o que vaza pra mídia e a oportunidade que a gente dá.

 Nunca havia morado em Curitiba, mas sabia que a cidade não tem um terço dos problemas de São Paulo. Tão logo nos mudamos para nossa casa (moramos dois meses certinhos com minha sogra e cunhada que nos deram a própria cama pra gente dormir. Obrigada aí, Vó e tia), foi como se eu nunca tivesse saído de um lugar onde nunca tinha morado. A re-adaptação foi perfeita. Não fiquei ansiosa, nem deprimida, e a vida em Bonn me parece hoje um passeio ligeiro que fiz há um tempão atrás. Não, não estou cuspindo no prato que comi. Eu o estou lambendo com gosto de quem saboreia o resto de uma comida boa. Foi uma experiência e tanto. Uma aventura até. Eu tenho uns flashes, como, por exemplo, quando falo que vou ao mercado e, imediatamente, me vem a mente os corredores do Lidl. Mas, fora isso, só ficou uma lembrança boa e, apesar de recente, distante. Não sei explicar o porquê dessa sensação. Tinha ouvido tanto falar da depressão do retorno, que estava com medo de tê-la. Mas não tive.

Agora, o choque foi com os preços. Levei quatro meses pra não cair pra trás, cada vez que tenho que pagar uma conta ou passar no caixa do supermercado. Agora, só levo uns choquinhos de vez em quando. Também estou chocada com a qualidade dos alimentos. É muito difícil encontrar algo que não tenha os "antes" da vida e, com certeza, as melhores frutas produzidas aqui são consumidas lá. Cansei de comprar frutas provenientes do Brasil na Alemanha, mas não as acho aqui com a mesma qualidade. Mas estamos encontrando o caminho das pedras, pois a variedade...  

Olhar o Brasil com outros olhos

Os olhos são os mesmos (um pouco mais gastos porque uma coisa que não funcionou pra mim em Bonn foi oculista), mas o olhar mudou. Antes de Bonn, eu não via flores, não via a natureza ao meu redor - exceto uma cegonha que passava pela minha janela na Av Jabaquara, todo dia de manhã e retornava à noite, como se acompanhasse o ritmo da cidade, e um urubu que fez ninho numa floreira do prédio vizinho. Em Bonn, tinhamos esquilos, gaivotas, coelhos, cisnes, patos, furões e até bandos de maritacas no meio da rua. Tinha o Reno, as flores, as árvores frutíferas e frutas silvestres no meio da rua, as estações do ano bem definidas, a neve, o frio e o calor (mais frio do que calor). Não sinto saudade disso, pois, como disse, voltei com o olhar diferente. Passei a amar e a cuidar de plantas e saber seus nomes, a reparar no pé de café na calçada do vizinho, a ver os sabiás comendo a laranja que teimou em ficar no pé bem do outro lado do muro do meu quintal dos fundos. A por o pé na grama, a ir ao parque e ver capivara, sapo e pato. Passei até a admirar o vira-lata esperto que sobe e desce a rua trocentas vezes ao dia. Não pensei que ainda fosse possível ver os vizinhos com suas cadeiras de praia sentados na calçada batendo papo num final de tarde, levando cachorro pra passear, roçando a grama e plantando flores. Não pensei em receber um saco de jabuticabas recém colhidas do quintal da vizinha. Ou chegar em casa e a outra vizinha vir trazer vários bulbos da sua planta que elogiei no começo do dia. Ou levar o meu filho pra cortar o cabelo no barbeiro com o quintal mais lindo que já vi e ganhar uma mudinha de palmeira jussara. Ou minha filha ter um girino de estimação, que está prestes a virar sapo (ele pula o baldinho, eu pulo o murinho). Ou ter o primeiro contato imediato com uma aranha marrom e já saber que era a dita cuja,  ou não saber que o meu dedo extremamente inchado, que me levou ao pronto-socorro num domingo de manhã, nada mais era do que uma picada de borrachudo.
É lindo ver o quanto meus filhos adoram estar aqui e não sofrem pela vida que deixaram pra trás, mas que sempre ficará na memória. Seus amiguinhos serão sempre amigos, não importa a distância e o tempo, porque foram cultivados e cativados. Assim como os meus.

Eu só posso dizer que estou feliz. E estou feliz por estar aqui. Por ver beleza onde muitos não conseguem e ver graça onde alguns teimam em só ver desgraça. Fiz o caminho de volta e está valendo a pena. E tudo vale a pena se a mala não é pequena.





 

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