domingo, 26 de maio de 2013

Me estrumbico, mas me comunico ou " Confiança é o caminho para ser fluente em uma segunda língua"

Moro na Alemanha há sete anos e meio e, por preguiça, indisciplina, falta de tempo e eventualidades inesperadas, não sou proficiente em alemão. Consigo me comunicar, entender e me fazer entender,  mas sempre me deparo com um breque provocado por falta de vocabulário ou estrutura gramatical. E aí, recorro ao inglês. Hoje falo um inglês recheado de palavras e pronúncia alemãs, somado ao meu inglês envolto em sotaque brasileiro. E falo um alemão recheado de palavras em inglês com um sotaque que não sei identificar e uma pronúncia forjada pela minha incapacidade de pronunciar determinados sons. Como digo, estou perdendo meu inglês, meu alemão é kaputt, mas ao menos ainda durmo com meu brasileiro :)

Pronúncia e sotaque

Em todos estes anos aqui, tenho amigos portugueses e brasileiros e alguns conhecidos alemães e de outras nacionalidades. Durante um tempo, fiz parte de um book club no qual nos comunicávamos em inglês e os integrantes eram em sua maioria falantes nativos da língua. Percebi que a exigência de se falar uma língua com pronúncia e sotaque nativos é tão utópica quanto achar possível negar a sua origem linguística. Eu tinha ( não era só eu) uma dificuldade tremenda de entender os diferentes sotaques e pronúncias das australianas, indianas, inglesas, sulafricanas, irlandesas e tinha uma escocesa que pronunciava as palavras extremamente diferente, além de ter um problema terrível de dicção.  Eu tinha que prestar atenção dobrada pra entender e me acostumar com os diferentes sotaques. Como nativas, elas usavam a gramática corretamente, mas as pronúncias e os sotaques eram dos mais variados e de dar nós nas minhas tripas auditivas. Mas não deixei de fazer parte do grupo até ele acabar.
Me lembro de um professor, quando estudei em Londres, que disse que quando ele chegou do sul da Inglaterra pra dar aulas, ele teve a pronúncia de algumas palavras corrigida por outros professsores. Ele ficou super encabulado, mas resolveu alterar a sua pronúncia, mesmo tendo dúvidas. Ao voltar pra sua cidade. em férias, percebeu que todos falavam daquele jeito. Foi aí que ele passou a não corrigir pronúncia que a princípio parecia errada, mas que não causava má interpretação ou dificuldade de comunicação, visto que é difícil saber se, talvez, em algum lugar onde o inglês é falado, a variável existe. 
Eu, por exemplo, tenho um problema para pronunciar o /R/ alemão. Se ele não for pronunciado guturalmente, como se estivéssemos limpando a garganta, ele tem o som do /H/. A Lara já me corrigiu quando eu quis dizer RAUS = sair e disse HAUS = casa. E por causa do /R/ eu tenho uma dificuldade tamanha pra dizer o nome da minha rua - Rüdigerstrasse. Mas conversando com uma professora que veio da Bavária, ela disse que eu poderia pronunciar o R como os bávaros, vibrando a ponta da língua. Pronto. Problema resolvido. Por estas experiências, passei a ser mais tolerante, a aceitar dos outros e a cobrar menos de mim a pronúncia e sotaques nativos, visto que não é natural abdicar completamente da influência da minha língua mãe (aliás, não é à toa que a chamamos assim) e da região do Brasil de onde vim.


Adoro este vídeo do Creature Comforts. A onça falando inglês com sotaque e trejeito brasileiros

Mas e quanto aos erros gramaticais?

A perfeição/precisão (em inglês, accuracy) ao falar uma língua  anda de mãos dadas com a fluência. No entanto, a fluência é capaz de andar com as próprias pernas, tropeçando aqui ou ali na accuracy, mas se levantando e mostrando ao que veio ao permitir uma comunicação completa, sem danos ou mal entendimento do que foi dito. (quê?) 
 Quando falamos a nossa própria língua errado ou fazemos uso inacurado de uma segunda língua ou língua estrangeira, quebramos a comunicação dependendo de onde, com quem, pra que e por que estamos nos comunicando. Se, num grupo, aceitamos o uso de determinados linguajares, gírias e erros, em outros, esse mesmo linguajar  poderá criar um ruido linguístico. É nóis.

E eu falei tudo isso aí em cima, pra chegar nesse ruido (eu sei, eu sei, a verborragia também é um ruido). Como professora de inglês e aprendiz de alemão, fiquei encafifada com algumas matérias que li  semana passada : "Brasil monoglota: ensino de língua estrangeira não funciona" , "Por que ainda estamos tão mal no inglês?  e fiquei pensando  por que os estudantes brasileiros de escolas públicas e privadas, que não frequentam escolas particulares de ensino de idiomas,  não são capazes de falar uma segunda - muito menos terceira - língua fluentemente, mesmo cometendo erros, enquanto, aqui na Europa, qualquer aluno consegue.

Serão  professores que não tem formação suficiente, nem didática, nem vivência na língua? Professores que perdem tanto tempo tentando transmitir o pouco que dominam através do ensino somente da gramática e que com isso fazem com que os alunos não encontrem o interesse por não ter a teoria conectada à prática? Professores, currículos e materiais escolares que visam um único aspecto da língua, esquecendo-se que as habilidades línguisticas se fazem nas formas oral, escrita e aural, além de conhecimento socio-cultural da língua? Será que é porque esquecem de funcionar como propulsores do conhecimento e continuam a ser meros transmissores do mísero conhecimento que têm? Será a falta das ferramentas necessárias/recursos para que as habilidades de comunicação se estabeleçam, levando à fluência? E quais seriam estes recursos? Será o desconhecimento do caminho das pedras para um aprendizado eficiente? Será desinteresse dos alunos? Dificuldade mental? Falta de motivação? Preguiça? Incapacidade de ser previdente e analisar a conjuntura atual do que leva um profissional a ser completo? Reordenação de prioridades? Falta de confiança no próprio taco pra falar mesmo cometendo erros?

 Conhecer a estrutura gramatical de uma língua e suas nuances dá confiança. Mas só ela não permite a comunicação. É preciso a confiança de se expor a erros e à prática da língua para podermos nos comunicar. É preciso aprender com os erros. Mas, para cometê-los, é preciso trazer a gramática à rotina, aos tropeços, à vida, na sala de aula e fora dela. Como já dito, a gramática, quando usada corretamente, evita os mal entendidos e os ruídos na comunicação, dependendo de onde, quando, por que, pra quem, entre quem a comunicação acontece.
 Quando um gerente de uma empresa  está apresentando um projeto ou mantendo uma negociação e comete erros crassos na língua em uso, ele pode gerar uma quebra na fluidez da conversa, desviando a atenção do conteúdo para a forma, podendo até gerar questionamentos sobreo que está sendo dito e sobre a capacidade profissional do aprensentador. Mas nem sempre isso ocorre, principalmente quando o deslize não afetou a comunicação ou quando a posição/capacidade profissional já está estabelecida ou o sucesso da interlocução não depende da precisão da língua. Um exemplo é o vídeo abaixo. Sebastião Salgado, famoso por suas obras fotográficas, apresenta  fluência impar em inglês, incomum para muitos brasileiros. No entanto, comete erros gramaticais e de pronúncia que doem nos ouvidos de alguns. Mas esses erros são relevados, pois sua competência já está estabelecida e a língua é só uma ferramenta pra transmitir suas ideias.    



Ele não se mostra constrangido por falar em público em uma língua que não a sua. Se faz entender e é aplaudido pelo conteúdo de sua apresentação. E aí está a confiança de usar a língua na prática e não se travar por não dominá-la por completo. Seus deslizes não afetam a comunicação e não o afetam (talvez porque ele não se aperceba deles). 
E então, vem uma outra reportagem que li sobre uma moça que morou no exterior, retornou ao Brasil e, apesar de "conseguir se comunicar em cinco línguas", segundo ela, não conseguia arranjar emprego. Ela omitiu no currículo sua formação em contabilidade e seu conhecimento das línguas para poder conseguir um emprego de faxineira. Ao ter seu (pouco) conhecimento reconhecido, mudou de posição e passou a ajudar turistas no Mercado Central de Belo Horizonte - MG. Ela não se preocupou com o fato de não falar fluentemente ou ser proficiente, mas sim poder se comunicar, entender e se fazer entender e sua força de vontade e auto-confiança foram reconhecidas.
 Mas, conforme pode ser lido nos comentários, sempre tem aqueles que tentam por as pessoas pra baixo, seja por inveja ou por eterno prazer em menosprezar os outros, em minar a confiança.  Ela vem recebendo várias críticas de quem se apegou ao fato dela ter omitido a sua formação no currículo, chamando isso de fraude/falsidade ideológica (apesar dela não ter mentido pra mais e sim pra menos); de quem questiona se realmente ela é capaz de falar as línguas que diz que fala; de quem tira o sarro de como ela fala o holandês, dizendo até que ela era conhecida da polícia na Holanda.
Mas quantas pessoas no Brasil se arriscam a ao menos tentar falar uma outra língua? Quantos balconistas de padaria conseguem falar além do português? Quantas pessoas com formação profissional elevada não conseguem arranjar um novo emprego, pois não dominam um outro idioma? Como dizem em uma das reportagens citadas acima, é  mais rápido para uma empresa investir na qualificação e na capacitação profissional do que ensinar inglês para um funcionário. Portanto, eles estão afrouxando os requisitos para contratação, mas não abrem mão do conhecimento de uma segunda língua, que normalmente é o inglês. E pra quem não quer se esforçar pra abrir a boca e se fazer entender em outra língua, é melhor abrir os olhos, porque, afinal, em terra de monoglota quem tem duas línguas é rei. 

10 comentários:

  1. Olá, Arlete
    Tudo bem? Você levantou questões muito interessantes sobre ensino e apredizagem de línguas. Não digo estrangeira, pois o ensino de língua materna também passa por problemas.
    É difícil apontar os culpados para o fracasso do ensino de idiomas no Brasil. Alunos, professores, escolas e materiais: cada um contribui um pouco para esse fracasso. Infelizmente, a escola é muitas vezes a primeira a mostrar descaso, não dando a imortância necessária ao ensino de idiomas.
    Um abraço,
    Lu

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  2. Arlete!
    Adorei seu post! Nossa frustração com alguns alunos ou com a educação no Brasil está com os dias contados...
    Acredito fielmente (por verificar isso no meu filhinho de 4 anos) que as gerações iPad, youtube e TV a cabo, terão mais facilidade em aprender a língua ou a pronúncia do que as gerações passadas. O Renato consegue entender e repetir algumas expressões de desenhos animados com uma pronúncia tão "native" quanto a do português. O mesmo que acontece com a Lara e o Ricardo. É só depois que a internalização da língua tiver se estabelecido, partirmos para a estruturação, como se faz com o português... Eu estou com fé. Com a Deborah (que já tem 15 anos) já vi o resultado! Ela conversa com o pai e com a tia com uma boa fluência, mesmo sem vê-los com frequência, mas com uma pronúncia neutra, que não puxa para nenhum lado.
    Beijos

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  3. Oi Arlete, cê voltou!

    Minha experiência pessoal é que o ensino da música - e, particularmente, o do canto - é um grande diferencial na formação de gente que consiga aprender outras línguas. Não (só) pelo fato de o cantor ter que aprender outras línguas a fórceps - imagine, dizer que não vai poder cantar a música "X" porque não está em português! - mas principalmente porque, cantando, educamos o ouvido, e ao educá-lo nossa percepção de sons e sotaques diferentes se amplia.

    Digo isso porque todo o inglês e o francês que sei, os aprendi por conta própria, sem cursinhos. E foi o ouvido que me ajudou. Pipocas, estudei dois anos e meio de russo, e foi a sonoridade da língua que tornou esse aprendizado menos impossível. E no caso do portunhol, só o sotaque já ajuda, mesmo que às vezes misture palavras do português faladas com o sotaque espanhol.

    Outra coisa é meter as caras. Não ter medo de errar e falar "fluentemente errado", como dizia o Luiz Bonfá. E, por outro lado, procurar similaridades entre o nosso idioma pátrio e os outros que aprendermos. Uma amiga, bastante fluente em espanhol e até com muitos anos de curso, não conseguia entender nada do que estava escrito em francês, quando foi passar uns dias na França. Foi uma situação que não consegui entender; afinal de contas, a matriz da língua era a mesma, e ainda assim ela não conseguia entender nada! Mistérios...

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  4. Também acho que depois que se aprende a gramática, para falar fluentemente tem mesmo que se "jogar", principalmente se a situação for a de imigrante. Eu aprendi alemão aqui, em um intensivo de 5 horas por dia, todos os dias durante 9 meses, mas pra soltar a língua e perder a vergonha demorou mais. Hoje eu falo fluentemente (10 anos depois), mas assim como vc mencionou, eventualmente em favor da fluência, cometo alguns erros gramaticais, que se eu fosse parar para pensar, não cometeria. E também falo o "R"da Bavária, o que já me rendeu o comentário de um alemão nórdico: Du sprichst mit einem schlechten bavarischen akzent"E eu respondi pro metidão que isto pra mim era um elogio, já que pelo menos o sotaque era alemão :) Bjs

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  5. Texto perfeito, questões levantadas de suma importância.
    uma frase no texto me fez lembrar uma afirmação que fiz para uma antiga colega de trabalho. na ocasião disse que se eu gostasse de voar, seria aeromoça internacional e ela respondeu: " ah nem...ser garçonete!!!!" eu retornei assim:
    " depende, qualquer "garçonete" como vc chamou, se domina alguma língua estrangeira aprende o nosso serviço em menos de 3 meses e toma nossa vaga, mas nós não conseguimos a fluência em inglês que elas tem, não em 3 meses de período de experiência."
    incrível como tem gente q gosta de dimunuir os outros, e acho que era por pura inveja.

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  6. Oi Arlete, muito bom o seu texto. Como professora, não de idiomas, concordo com a Lu, no fato de que o fracasso do ensino tem muitas faces, muitos tropeços e por isso soluções que nem sempre são encontradas por colegas meus que têm até 5 empregos entre escolas pública e particulares. Não é fácil. A minha vivência pessoal com o inglês nos dois últimos anos do curso ginasial foi um desastre.O professor era uma boa pessoa, mas a aula dele era um desastre.Com o francês, que estudei nos quatro anos do ginasial foi diferente. A professora, uma freira, era um encanto de pessoa, ótima professora e apaixonei-me pelo idioma, que domino razoavelmente. Quanto ao alemão, esse estava plantado no coração por causa de meu avô, que me corrigia a pronúncia com os padrões de Berlim, onde ele nasceu. Aí na Alemanha, frequentando o Goethe, convivi com muitos latino-americanos e como não falavam ainda o alemão, falávamos portunhol. Voltei fluente... e há um ano atrás, atrevida que sou, participei de uma reunião com colegas de vários países da América Latina e fiz o relatório da reunião traduzindo tudo para o português.Ah, o alemão ? Falo fluentemente, depois de uma dose de uísque, uma caipirinha, um copo de vinho...Tenho muito poucas oportunidades de falar o alemão e assisto a Deutsche Welle para não perder o idioma. Um abraço, Rosemarie

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  7. Gostei do post, isso diz muito acerda do ensino dos dias de hoje

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  8. Ótimo texto, por favor não pare com o blog..! rs.

    Eu acredito que o maior incentivo a falta de interesse da população em aprender um novo idioma é justamente a forma como é ensinado hoje nas escolas.

    Caso você realmente queira aprender, vai precisar de muito mais esforço e dedicação do que em qualquer outro país que incentive ao menos um pouco a aprendizagem nas escolas..

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