quarta-feira, 7 de outubro de 2009

Há um ano, meu pai partiu.


Há exatamente um ano, meu pai partiu. Publico aqui a carta que escrevi aos meus amigos e parentes quando de sua morte.

"Aos amigos e parentes,

Hoje, depois de uma longa batalha, meu pai se foi.
Por mais que nestes 71 dias de internação, ele tenha lutado contra todos os problemas que surgiram, não lhe restou mais forças, apesar da vontade de viver.
Coube a nós juntar forças para não sofrer tanto, quando esta hora chegasse. Mas elas também não são suficientes para que aceitemos sem pesar a única coisa que é certa na vida. Não há preparo para a perda. Não há preparo para a morte.
Dizer que foi melhor assim, que agora ele descansou, que ele está junto de Deus, em algum momento alivia a dor. Mas ele não vai mais estar ali, sentado na sua poltrona preferida, com os cotovelos apoiados em suas pernas, assistindo televisão e falando "Escuta, escuta", xingando os políticos e assistindo novela, gritando ao pé da escada: "Dercy, cadê aquela cueca que eu gosto?", ou gritando pela casa a fora: "Dercy, Dercy", só pra saber onde ela está.
As nossas lembranças de um homem rabugento, briguento, pai-patrão, que nao media palavras para ofender, que só fazia as coisas como bem entendia, que deu algumas escorregadas na vida, se juntam as lembranças de um homem que, somente com o quarto ano primário, construiu uma vida sem carências para sua família; um pai trabalhador, que consertava TVs, rádios transistors e vitrolinhas; que criou 5 filhos e ainda aceitou acolher mais um - a quem no fim reconheceu ser um filho que o ajudou quando ele mais precisava, e que esteve presente para lhe afugentar os medos; um pai que trazia sua féria do dia, junto com um saquinho de gibi, pé-de-moleque e chocolate prestígio, para que fosse contada na mesa da sala; que adorava o Corinthians, assistir TV e dormir ouvindo rádio; que nos levava para a praia aos fins de semana e nas férias escolares; que bem ou mal nos deu condições de estudar e crescer na vida; que adorava cimentar as chácaras que teve e construir nelas casas parecidas com estação de trem; que nao perdia a oportunidade de fazer churrasco, comer coxinha, pizza e tomar uma pinguinha; que nas suas próprias palavras, quando no hospital, perguntado como se descreveria, disse que era um homem sério, meio rabugento, mas que gostava de tirar um sarrinho; que tinha muitos amigos que também se foram - o que fez com que ele, nos últimos tempos, se sentisse bastante deprimido - Toninho, Mané, Tio Filhinho, Tio Luiz, Tio Zezinho. E se houver um lugar além dessa vida, eles estão juntos novamente e com certeza vão se divertir bastante.
A distância nao diminui a dor da perda. A decisão de me despedir dele quando ele ainda estava lúcido não aliviou a vontade de estar presente na despedida final. E na impossibilidade, tive a necessidade de escrever.
Que este momento difícil una e reúna a família, que as desavenças se desfaçam e que o sofrimento e a morte de papai faça com que quem fica reflita sobre como viver a vida, para que seu fim seja digno; que se olhe para trás e diga a si mesmo: -"Nao vivi só pra mim, criei meus filhos, vi alguns dos filhos dos meus filhos e minha tarefa foi cumprida e é só isso que posso levar comigo".
Tchau, pai! Bença.



Arlete

2 comentários:

  1. Lindo post Arlete! Também perdi meu pai há pouco mais de um ano e sei como foi duro estar longe da família nesse momento. Escrever faz um bem, né?
    Beijos!

    ResponderExcluir
  2. Ei Arlete!

    As horas de partida são doídas, mas além desta certeza que a morte é o fim, existe o livre arbítrio, onde podemos escolher:

    a - que nada é bom o suficiente que não possa ser melhorado,

    OU

    b - inexiste algo ruim que não possa ser piorado,

    Leio seus textos, que mostram suas escolhas pela opção "a". Aparentemente vejo isso no seu blog: você tem acertado em suas escolhas! E sem dúvidas as gerações futuras de seu pai são e serão bons "upgrades"!!!

    Tudo de bonn, nesta odsséia...

    Obs.: Sempre considerar o bom senso, pois existe a efemeridade da vida, sendo imprescindível constatar, que o ótimo é inimigo do bom... ou o excelente e inimigo do ótimo.. ou o perfeito é inimigo do excelente.. ou o louvável é inimigo do perfeito

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