segunda-feira, 22 de março de 2010

Herr Croll

Já que alguns posts atrás falei do vizinho  intolerante, vou falar agora do vizinho fofo do segundo andar, o Herr Croll. Um pouco depois que mudamos para este apartamento, ele bateu à porta trazendo um pão e uma caixinha de sal. Eu nem sabia quem ele era ainda e nem ofereci para entrar. Que vergonha! Também estranhei o presente, mas depois ficamos sabendo que o pão e o sal são dados como boas vindas (dãã): o pão é  alimento e o sal é dinheiro (daí a palavra salário).
Ele era casado com uma senhora que só andava de cadeira de rodas e era bem mais velha que ele. Ela morreu há dois anos. Alguns meses depois, fomos convidados para tomar um chá da tarde em sua casa com a família de um sobrinho que é casado com uma brasileira. Ele fez questão de nos mostrar a sua casa inteira - quartos, banheiros -  fez a gente se sentar na cadeira do escritório pra ver como é macia e e até abriu os guarda-roupas, o que pra mim foi bem informal. Mas foi neste café da tarde que descobrimos quão importante é a formalidade para o alemão. Ele e o sobrinho dele, que também é seu afilhado, estavam de terno e gravata e o meu marido, de calça jeans e camisa pólo. Descobrimos também que não se deve arregaçar as mangas à mesa nem se levantar pra ir embora enquanto o anfitrião ainda está com o seu copo cheio. Posso te dizer que foi difícil sair dali, porque, apesar dos  oitenta e poucos anos, Herr Croll não deixava a peteca cair - mandou pra dentro uma cerveja atrás da outra, depois a saideira, -pinga de uva - depois mais outra. Não adiantou o Amanzor falar que já estava mais pra lá do que pra cá, ele não parava de encher o copo. Amanzor já estava vermelho e suando e Herr Croll, tranquilissimo como se estivesse bebendo água. Ele não consegue ouvir muito bem, fala bastante enrolado e em alemão, o que vem a piorar as coisas. Então, precisamos da interpretação mais do que bem vinda da sobrinha brasileira pra entender as piadas, pois ele solta uma atrás da outra. Depois de umas três horas, finalmente, conseguimos nos despedir e o Amanzor veio rolando escada abaixo de tão alto que estava.
Tão logo nos mudamos pra cá, vimos o nosso objeto de desejo parado na rua em frente a nosso janela: uma Mercedes- Benz  sedan verde-metálica com banco de couro creme e painel de madeira. E o dono? Herr Croll. Foi depois que vimos que ele deixava essa preciosidade parada na rua que deixamos de ter o trabalho de guardar o nosso VW na  garagem. Há alguns meses, Herr Croll teve um AVC enquanto dirigia. Ao entrar no túnel que passa por baixo da cidade, passou mal, perdeu a direção e não chegou a ver a luz no fim do túnel, a sorte é que não bateu em nínguém.  Vendeu o Mercedão verde, porque não estava mais nos trinques e comprou uma outra Mercedes zerinho e moderníssima.Liiiiiindaaaaa!!! Esse senhor é tão forte que  voltou a dirigir quando ainda nem andava direito, o que pra mim é uma imprudência. E, algumas semanas depois do ocorrido, o Amanzor  cruzou com ele no hall com uma dúzia de cerveja. Ele foi logo chamando o Amanzor  pra tomar umas com ele, coisa que, disse, iria fazer mesmo sozinho. Como o Amanzor falou pra deixar pra outro dia, ele nos convidou para jantar  no sábado seguinte em um restaurante super tradicional de Bad Godesberg, que era o segundo quartel general de Konrad Adenauer aqui em Bonn: o "Maternus". Como já disse em outro post, este restaurante é uma mãe: do lado de fora parece que é um lugar pequenininho, mas, quando você entra,  é super espaçoso, aconchegante e parece uma viagem ao passado. O lugar é uma relíquia, cheio de quadros e fotos da dona, Ria Maternus,  com pessoas famosas: George Bush, Reagan, Papa João Paulo II, políticos alemães. Saímos de casa às 17h30 ( isso mesmo!). Eu fui dirigindo porque não bebo e sei que tanto o meu marido quanto o homi enxugam uma. Fomos daqui até lá com ele elogiando a minha direção na neve. O ego inchou ainda mais tendo o elogio vindo de um alemão. Chegamos lá, não tinha ninguém. Nossa mesa estava reservada, sentamos, eu fui dar uma olhada geral no local com a Lara. Fantástico. Foi uma noite bem diferente, pois ele é muito engraçado, mas metade do que ele dizia a gente não entendia. A comida foi muito boa. Ele pediu e sugeriu para o Amanzor uma sopa de caldo de carne com Sherry ( álcool até na sopa) que foi "vertido" na sopa quando esta já estava servida, portanto, o arcu não teve tempo de evaporá. Depois, veio uma Mettwurst - o famoso salsichon -  só cozido na água, acompanhado de Kassler - presunto tipo tender passado na frigideira - Grünkohl, uma espécie de alguma verdura verde refogada com bacon e bem cremosa  e Bratkartoffeln, batatas em fatias não tão finas e passadas na frigideira com bacon até ficarem bem douradas. Tudo isso regado com muita cerveja. Ele não parava de servir o prato do Amanzor. Era muito engraçado, porque a gente não entendia muito bem o que ele dizia e mesmo assim dávamos risada quando percebíamos que era piada. Ô situação. Eu pedi Spätzle - um tipo de massa de gnocchi em formato rústico de macarrão com Strogonoff, só que bem diferente do que brasileiro está acostumado, e salada. O Amanzor já estava estourando, quando o tiozinho pediu mais salsicha pra fechar. Depois de tudo isso, ele me sugeriu uma sobremesa: queijo Camembert empanado com geléia de Cranberry e salsinha frita. Aqui é muito comum comer queijo de sobremesa. Claro que eu não consegui comer nem metade e ele, sem cerimônia, deu um guento no resto. Na conversa, ficamos sabendo que ele foi presidente da Cooperativa Agrícola alemã e que era advogado. Voltamos para casa, e o convidamos para entrar e tomar um vinho do porto. Fiquei olhando para aquele senhor em seus 83 anos bem vividos e pensando em como ele devia ser bonito quando jovem - já que ainda o era -  e também em toda experiência de vida que ele teve. O Amanzor, que é louco pra aprender a esquiar, então, perguntou: - O senhor esquiava bastante? E ele respondeu: Nunca.

 

3 comentários:

  1. pois é, tem alemães e alemães.
    por enquanto e graças a minha fada madrinha (hehehe) só tenho encontrado tipos como o Herr Croll.
    diga aí, quando eles são fofos, são fofos, não são?
    meu cunhado tb me trouxe de presente sal e pão quando mudamos para o apto. a diferença é que ele explicou pra que serviam (em portunhol). ;)
    agora, eu não sabia essa de que visita só pode sair depois que o anfitrião esvazia o copo. Será que é só pelas suas bandas? nunca passei por isso.
    bjs!

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  2. Voce tem razão, quando são fofos, sabem como ser. Eu não sei se só pros meus lados, pois quem falou que a gente não podia sair foi a brasileira, sobrinha dele e ela é do Norte da Alemanha. Entonces...
    Bjs e obrigada pela assiduidade no meu blog. Gosto muito dos seus comentarios

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  3. Divertidissímo seu vizinho!Fico bêbada só com cheiro da "marvada". Bjo

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